07/12/2008

(Câmara) Ordem dos Solicitadores?

A alteração de estatutos, prevista para Março, deverá incluir a passagem da Câmara dos Solicitadores para Ordem profissional, tendo em conta as exigências académicas de acesso à profissão. A mudança surge numa altura em que os advogados se juntam aos solicitadores para realizar acções executivas, com António Gomes da Cunha, presidente da Câmara dos Solicitadores, a tecer duras críticas a algumas das alterações impostas.
VJ – Que mensagens quiseram passar neste congresso (IV Congresso dos Solicitadores)?
AGC – Foi uma mensagem de aposta no futuro, para preparar terreno para aqueles que vão chegar. Não podemos pensar só no presente e naqueles que já cá estão, mas temos também que ver que a própria classe está em mudança e que os futuros solicitadores vêm bem preparados, com uma licenciatura, o que não acontecia enquanto obrigatoriedade antes de 1999. E a mensagem foi de optimismo e aposta no futuro porque se houve perdas de exclusividade houve também perdas de exclusividade para muitas outras profissões onde nós ganhámos competências.
Os solicitadores têm de encarar o futuro como um desafio, até porque, no que diz respeito à desformalização de actos notariais, essas foram áreas a que o solicitador sempre esteve ligado, principalmente a partir do momento em que os solicitadores se afastaram um pouco mais dos tribunais.
A mensagem que quis passar neste congresso é a de que não estamos parados, não estamos em vias de extinção, bem pelo contrário. Se analisarmos o nosso percurso de 2003 a 2008, veja-se o leque de competências que foram dadas aos solicitadores.
Nunca tínhamos entrado na Propriedade Industrial, onde nos era vedada a representação do cliente. Foi difícil, foi polémico, mas conseguimos.
VJ – No Congresso foi abordada a possibilidade de a Câmara se tornar uma Ordem profissional. Faz sentido que essa transição se concretize?
AGC – Não foi uma preocupação deste presidente da Câmara porque ainda estamos muito ligados ao que de bom tem ser uma Câmara. Mas há aqui uma distinção clara, não assumida, entre uma Câmara e uma Ordem. E a Lei-Quadro que se falava em 2003 e 2004 veio a ter expressão escrita e existe agora um diploma que regula a criação das associações profissionais. Lá está expresso manifestamente que o único critério objectivo tem a ver com o acesso à profissão ser feito ou não por licenciados, ou seja, a exigência do grau académico licenciatura para o acesso à profissão e não tem a ver com o número de profissionais inscritos. Neste momento, com a alteração ao estatuto, que está prevista e que aguardamos publicação, o acesso à profissão passa-se a fazer-se apenas com licenciatura em Direito ou em Solicitadoria. Eu sei que sou criticado por isso, mas eu sou defensor de um ramo comum do saber, de onde devem emanar, ou não, algumas especialidades.
Mas houve quase uma necessidade de focalizar os cursos superiores para aquilo que os solicitadores estavam mais vocacionados e agora creio que esses cursos têm de ser repensados, embora nós já estejamos preparados, porque uma das áreas preferenciais dos solicitadores tinha a ver com os registos e notariado e é nestas áreas que recebemos mais atribuições.
VJ – Mas as licenciaturas de Direito e Solicitadoria não partem de um tronco comum?
AGC – São cursos idênticos, com os mesmos professores a dar Direito e Solicitadoria. Depois temos áreas mais tocantes. Os Registos e Notariado foram introduzidos em alguns anos, depois foram abandonados porque são muitas cadeiras no Direito e não podem abranger todas as áreas. Com Bolonha, algumas cadeiras anuais passaram a semestrais e para os mais antigos faz alguma impressão ver cadeiras repartidas.
VJ – Mas vão avançar com a mudança para Ordem?
ASG – É uma exigência da própria classe. Do congresso saiu essa premência de alterar o estatuto até Março, incluindo nele a passagem de Câmara a Ordem.
VJ – A coabitação com advogados, enquanto agentes de execução, vai ser pacífica?
AGC – Com aqueles que já cá estão não há problemas. E aqueles que conheço perceberam rapidamente que teriam de optar pela advocacia ou pela solicitadoria porque não há tempo para exercer ambas. A forma como está projectada esta reforma vai ser de difícil execução administrativa e foram impostas sanções pesadas para a instituição, com as quais não concordamos.
Uma delas é a Comissão para a Eficácia das Execuções, que inclui um leque abrangente de opiniões que vai funcionar, pasme-se, dentro da Câmara dos Solicitadores. Isso quer dizer que foi retirada à Câmara o poder disciplinar dos agentes de execução e o poder de inspecção, justificando-se com o facto de a execução passar a ser feita por duas classes, a de advogados e a de solicitadores, embora permitindo-se a escolha do nome de agente de execução ou solicitador de execução, pois nem faria sentido ser diferente, dado o investimento que já se fez em carimbos, selos e outros materiais com a designação de solicitador de execução. Não creio que esta convivência vá ser difícil, talvez o seja ao início. O que está previsto é a inscrição de advogados na Ordem e o registo na Câmara, em que se diz que a Ordem remeterá à Câmara por via electrónica o nome das pessoas que estão interessadas na especialidade e haverá uma entidade terceira, provavelmente uma universidade, que ficará encarregue de estabelecer os requisitos de acesso e proceder à avaliação final.
Esta é uma proposta da tutela com a qual também não concordamos. Ao contrário do sistema de avaliação dos advogados, que fazem uma prova de agregação no final de um estágio, aqui faz-se primeiro um exame de admissão e só depois o estágio teórico e prático, que será avaliado pela Comissão para a Eficácia das Execuções. Essa avaliação é feita com base na prova de avaliação, num estágio teórico de três meses e num estágio prático de sete meses realizado em escritório de solicitador de execução. Esta medida, que foi proposta por nós, tem, aliás, levantado a maior celeuma por parte dos advogados, que não aceitam a necessidade de um advogado estagiar com um solicitador de execução. A mim parece-me que os advogados não perceberam de todo a questão. Eles não vão exercer advocacia, vão exercer uma especialidade. Eu não sei qual é a posição da Ordem porque não vi qualquer comentário formal. Mas os advogados que vierem serão bem-vindos e certamente estarão cá para trabalhar. Mas há aqui alguns perigos. Na questão das incompatibilidades, o que se fez foi uma mera operação de estética. Praticamente foram mantidas as incompatibilidades e impedimentos que já existiam, com a pequena “nuance” de os alargar aos sócios das sociedades de advogados e solicitadores.
Nós queríamos um acréscimo de incompatibilidades, em que quem fosse agente de execução apenas poderia exercer essa função. E na experiência recolhida entre 2003 e 2008 depressa se concluiu que não há capacidade para o solicitador de execução fazer outros actos.
VJ – Falar de execuções é falar de dívidas. Como tem evoluído a relação do cidadão com as dívidas?
AGC – Tem evoluído mal e bem, o que é estranho. Apesar da crise, não houve um acréscimo do número de processos executivos. Quanto à pendência, diz o Ministério da Justiça que os resultados obtidos em 2006 e 2007 são os melhores dos últimos 15 anos, uma vez que se findaram mais processos do que aqueles que entraram. Mas muitas vezes não há património para executar e por isso foram tomadas medidas para que seja possível, nos casos em que não há património, extinguir-se a instância. Nós propusemos também o acesso intermédio a outras informações sem violar direitos dos cidadãos e não se trata de quebrar sigilos bancários, mas sim de penhorar se houver dinheiro para servir a quantia exequente. Na relação com as dívidas, não há dúvida que o povo português tem vindo a beneficiar do facilitismo do acesso ao crédito. E esses elevados índices de conforto traduzem-se também em desenvolvimento económico e cultural. Mas foi necessário proteger algumas vendas a crédito, como as vendas agressivas.
Só que neste momento as entidades bancárias também agridem o cidadão, dizendo que o crédito está facilitado. E as famílias portuguesas entram em problemas de incumprimento dos deveres que assumem. Muitas vezes, quando chegamos ao terreno, as pessoas mostram-nos que não têm como pagar as dívidas que contraíram. Daí a preocupação do legislador em apoiar as famílias sobreendividadas.
VJ – O combate à procuradoria ilícita marcou também presença na agenda do congresso. Há novas estratégias de combate?
AGC – Efectivamente, nós temos estado sempre com a Ordem dos Advogados nesta matéria. Existe uma Comissão Nacional de Combate à Procuradoria Ilícita que tem muito activamente a participação da Ordem dos Advogados e muito passivamente a participação da Câmara dos Solicitadores. E o combate tem-se mostrado ineficaz, há dificuldade na recolha de prova. Mas a Ordem tem tido uma actuação mais visível, quando as obrigações são iguais. Neste congresso foi proposta a possibilidade de participação “online” na área restrita dos solicitadores, que ainda não sabemos se iremos tornar pública. Pela primeira vez vamos também fazer a instrução dos processos e tentar desconcentrar essa instrução pelos Conselhos Regionais. Não é fácil, mas este combate tem de estar sempre presente.

4 comentários:

Anônimo disse...

Muito importante esta informação! Vamos ver o que vai acontecer e qual vai ser o nosso futuro quando acabarmos a licenciatura.

Anônimo disse...

A aposta da Solicitadoria tem que passar pelos Registos e Notariado, enquanto o Direito passa pela especialização numa área especifica.

Estudante de Direito UM

Anônimo disse...

Nada a temer caros colegas. Se um solicitador de execução não consegue ser solicitador, muito menos um advogado o poderá ser, a prática da advocacia juntamente com as praticas relativas ao agente de execução são impossíveis. Tudo não passa de uma das muitas ideias floreadas deste governo. A figura do solicitador de execução é ameaçada com esta lei mas será que o advogado é capaz de o fazer? É do meu entender que não. O curso de Solicitadoria é (ou devia ser) mais prático que um curso de Direito, nunca se esqueçam disso. Por fim gostaria que o "Estudante de Dt. Da UM" se concretiza-se. O que é isso de apostar em Registos e Notariado? Pensa que um Solicitador ou futuro solicitador não sabe o que fazer perante um Cartório? Ao contrário de muitos licenciados em dt. que nem sabem fazer um contrato nos termos correctos ou até mesmo um requerimento ou uma PI (petição inicial). É velos a andar de um lado para o outro e a pensarem que o Código tem a resposta para tudo, tal qual uma bíblia. Aos advogados que querem ser a.e., proponho uns mesitos a fazer buscas e afins, a ver se podem fazer as duas coisas ao mesmo tempo, por isso é que recusam o estágio como se lê na entrevista. Aos que pensam que esta situação é a salvação da advocacia (para aqueles quem tem o escritório as moscas) estão redondamente enganados. Salvação só Deus a têm!
Estudante de Solicitadoria(Orgulhosamente)

Anônimo disse...

Uma análise critica muito bem instruída.